terça-feira, 17 de maio de 2011

"Uma nação que se preocupa com a Copa e não com o transporte diário de sua população é tola, frívola"

Reportagem excelente! Uma grane verdade!

Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/uma-nacao-que-se-preocupa-com-a-copa-e-nao-com-o-transporte-diario-de-sua-populacao-e-tola-frivola

"Uma nação que se preocupa com a Copa e não com o transporte diário de sua população é tola, frívola"

Sergio Ejzenberg, da Universidade de São Paulo, afirma que cidades a partir de 1,5 milhão de habitantes já precisam pensar em rede de metrô

Fernanda Nascimento
O engenheiro Sergio Ejzenberg: "Faltam políticos que queiram construir o futuro da cidade e não o seu futuro político" O engenheiro Sergio Ejzenberg: "Faltam políticos que queiram construir o futuro da cidade e não o seu futuro político" (Arquivo pessoal)
Os paulistanos ganham nesta segunda-feira uma nova estação de metrô. Com dois anos de atraso, o governador Geraldo Alckmin inaugura a Estação Pinheiros, que faz parte da linha amarela. A maior rede metroviária está em São Paulo - são mais de 70 quilômetros de trilhos na capital -, mas outras cidades somam outros 169 quilômetros. No entanto, o investimento nesse meio de transporte no Brasil ainda é tímido.
Em entrevista ao site de VEJA, o engenheiro e mestre em transportes pela USP Sergio Ejzenberg afirmou que falta aos governos municipais, estaduais e federal prioridade ao investimento em mobilidade nas grandes cidades. Segundo Ejzenberg, só em São Paulo foi desperdiçado em obras destinadas aos automóveis dinheiro suficiente para construir 400 quilômetros de metrô - mais de cinco vezes o que capital tem hoje.
O engenheiro ainda critica os planos para a Copa do Mundo que o Brasil receberá em 2014. Para ele, é inaceitável pensar na mobilidade de 60 mil torcedores sem que antes os moradores tenham um transporte de qualidade. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
O metrô é a solução para o transporte nas grandes cidades?
Nos últimos anos, um pequeno aumento na rede metroviária de São Paulo e a maior integração com outros meios de transporte fizeram o número de usuários do metrô dobrar. Ou seja, tem gente querendo usar. Sem milagre, o metrô pode levar 96.000 passageiros por hora, chegando a 115.000 com um controle automatizado. Comparado a outros meios de transporte de massa, as desapropriações causadas pelo metrô são mínimas e não há impactos visuais como no caso de um monotrilho aéreo.

É um meio de transporte mais caro?
Considerando o preço por passageiro, o metrô é o mais barato. O quilômetro custa o dobro, mas transporta quatro vezes mais que qualquer outro. São Paulo construiu 70 quilômetros de metrô em 35 anos (dois quilômetros por ano), então fez tudo isso a um custo muito elevado. Se fizesse 20 quilômetros ao ano, o custo cairia a um décimo por uma questão de economia de escala. Mas existem grandes variações de preço e o metrô de São Paulo tem preços salgados.

Pagamos mais caro pelo quilômetro do metrô?
Barcelona, quando se preparou para receber a Olimpíada, construiu 81,3 quilômetros em cinco anos. Eles fizeram a obra a um custo de 70 a 140 milhões de dólares o quilômetro. Em São Paulo, o mesmo quilômetro sai por cerca de 290 milhões de reais. Se estamos gastando mais, é porque estamos fazendo errado. A população conhece o preço da passagem de ônibus, mas não o preço de construção do metrô. Está na hora de saber e cobrar.

Faltam recursos para ampliar a rede de metrô?
Com o dinheiro gasto em obras viárias na cidade de São Paulo nos últimos 30 anos era possível ter construído 400 quilômetros de metrô. Não falta dinheiro, falta foco. Nossos governos são bilionários e têm sido irresponsáveis na questão da mobilidade urbana nos grandes centros. O trem-bala, por exemplo, vai custar mais de 50 bilhões de reais. Estamos falando em dinheiro o suficiente para construir quase 200 quilômetros de metrô.

Obras viárias melhoram o trânsito na cidade de São Paulo?
São soluções que se esgotam rapidamente. Em 2007, a capital registrava 23,5 milhões de deslocamentos por dia. Os motivos de 80% dessas viagens são trabalho ou educação, portanto ocorrem na mesma hora, todos os dias. Não cabe. Não existe solução para a mobilidade dos automóveis. Quem planta metrô colhe qualidade de vida e quem planta asfalto colhe congestionamento. Infelizmente, vivemos grandes investimentos em sistemas viários. Os 180 quilômetros de Rodoanel vão custar algo em torno de 22 bilhões de reais – o suficiente para dobrar a malha metroviária de São Paulo.

Por que São Paulo chegou a esse ponto? Os investimentos em transporte público começaram tarde ou o ritmo foi muito lento?
As duas coisas. O que não significa um decreto de morte do futuro. Hoje temos 70 quilômetros, mas seriam necessárias pelo menos 300. A previsão para 2025 é de 163,3 quilômetros de linhas. Essa velocidade não serve, pois pagamos impostos de primeiro mundo.

Uma obra como o metrô nem sempre é entregue antes do fim de um mandato. Isso influencia na opção por projetos viários?
Está na hora de amadurecer isso, pois esse modelo de transporte está falido. Se não existisse dinheiro ficaríamos aqui sonhando. Mas o dinheiro existe, faltam estadistas. Faltam políticos que queiram construir o futuro da cidade, e não o seu futuro político. Isto vale para todos os níveis de governo, para todas as capitais brasileiras.

Quais cidades precisam investir em uma rede de metrô?
Qualquer cidade com mais de um milhão e meio de habitantes já deveria estar planejando seu metrô faz tempo. Até começar a produzir e fazer, o município já está com dois milhões e meio e começa a ter problemas graves de congestionamento. É necessário criar um plano diretor que leve em conta a mobilidade humana e o transporte de massa. O crescimento não é um problema, pelo contrário, mas é preciso se preparar para isso.

Não há bons exemplos de investimentos em mobilidade no Brasil?

Acredito que não. Em todas as grandes cidades do país o metrô caminha a passos muito lentos. Exatamente por não ser uma obra que possa ser capitalizada nos resultados de uma gestão, o avanço é pequeno.

Com a Copa do Mundo e a Olimpíada no país, as prioridades dos governos mudaram?
Uma nação que se preocupa com a Copa e não se preocupa com o transporte diário de sua população é tola, frívola. Por que é importante pensar que 60 mil pessoas que vão a um jogo de futebol num evento efêmero, de curta duração, têm que ter um tratamento que a população de milhões de habitantes todos os dias não tem? Isso é um crime contra a população que paga imposto e que gasta cinco horas por dia com o deslocamento, em condições desumanas. Isso aconteceu hoje de manhã, vai acontecer amanhã a tarde e todos os dias até a Copa e depois da Copa.
Um evento deste porte traz benefícios para população?
Vamos ver os benefícios marginais da África do Sul, que tem hoje um sistema de transporte ligando aeroporto ao estádio – que é um elefante branco que ninguém usa. Enquanto isso, a população não tem transporte, mas sim uma conta de seis bilhões de dólares para pagar. Vai ser muito bom fazer sistema expresso de transporte para o estádio do aeroporto no Brasil? Então quem vai ganhar com o jogo que faça essa maravilha, banque e fique explorando – já que é tão bom. Com o dinheiro publico há outras coisas para fazer

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